O cão (amigo) |
“AMIGO” (O cão que acompanha enterro e conquistou a cidade)
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VOLTA |
“AMIGO” continua impassível em sua ronda... Acompanhar enterros, depois de fazer o velório, o admirável cão continua no seu mutismo impressionante, a reverenciar os mortos em nossa cidade... Quem ensinou “Amigo” a agir dessa maneira?
Aquele manso cão que tem por dono toda a cidade, a todos afagando quando recebe atenção das crianças, a todos enfim, indiferente a popularidade criada pela publicidade, continua a reverenciar os mortos, não lhe importando sejam ricos ou pobres, pretos ou brancos, que as umas tenham custado mais ou menos cruzeiros. E quando isso faz, não se deixa perturbar pelas “namoradas” que porventura encontre no caminha. Primeiro o dever, que cumpre invariavelmente. |
Porque um simples cão, que não é da alta sociedade canina, que desconhece o conforto de um canil que não são os “bangalôs” que a aristocracia oferece aos “pedigrees” que ignoram até o massante serviço de coçar-se quando as pulgas resolvem pinicar, porque as mãos de madame se transformam em hábeis “catadeiras”, acompanha enterros associando-se as homenagens que os racionais preitam ao falecido? Consciente de seu papel não ladra, nem umedece os olhos. Cumpre o dever e com isso deve se julgar satisfeito. Sequer espera que a família agradeça sua presença no ato. Também não se queixa quando algum racional o mimoseia com um ponta pé. Isto por conta da falta de consideração, da piedade de não poucos bichinhos de dois pés que possivelmente, sequer se comovem quando entregam à terra o corpo cansado de um pai, de uma mãe, de um amigo. “Amigo” procede como um cão. Não morde nem ataca quem quer que seja. Nisso se revela bastante pacifista, compreensível, embora não faça parte das Nações Unidas. Dormindo ao relento, recebendo afagos, almoçando e jantando na via pública, em qualquer hora que mãos amigas dele se aproximam, “Amigo” mantém-se firme em seu trabalho.
Jornal “O Município” - 17 de agosto de 1957 |
A volta da história do cachorro vira-lata “AMIGO”
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O “AMIGO” morreu Desaparece o conhecido cachorro que acompanhava enterros - Curiosos presenciam seu enterro
Depois de um rápido período de enfermidade, assistido pelos veterinários da Prefeitura Municipal e Secretaria da Agricultura e ainda pelo farmacêutico Juarez Loyola, morreu dia 3 de setembro de 1961, na sede do PTB, o conhecido cachorro que tinha por hábito acompanhar os enterros que se realizavam em nossa cidade. Conhecido por toda a população, que carinhosamente acompanhava suas atividades, sua morte veio provocar os mais desencontrados comentários. Durante os dias em que esteve aos cuidados veterinários desenvolveu intensa atividade e procurou fornecer todos os elementos solicitados pelo Sr. Antenor Martins de Paula, que como sempre mostrou-se grande admirador do “Amigo”. Em caixão próprio foi o cão “Amigo” enterrado em um terreno localizado na rua Eduardo Balestero Braido, de propriedade do Sr. Antenor Martins de Paula. Momentos antes do enterro grande era o número de pessoas que observavam o animal morto, inclusive a vereadora Beloca de Oliveira Costa, o Delegado de Polícia de São João da Boa Vista e ainda representante de jornais locais e da Rádio Difusora. Desaparece assim o conhecido cachorro que acompanhava enterro em nossa cidade e que inclusive despertou curiosidade em todos os pontos do Estado de São Paulo. Jornal “O Município” 09 de setembro de 1961 |
A publicação da matéria A história de “Amigo”, devido ao assunto tratado, teve repercussão, gerando, inclusive, uma entrevista sobre a mesma, durante o programa Plantão Policial na Rádio Piratininga, de responsabilidade do radialista Marcos Ferreira, no último sábado. No decorrer do programa, várias pessoas telefonaram,entre elas, o pintor Riolando Faria Gião identificando o autor do quadro que retratava o Amigo: “Lembro que um senhor, que penso ter sido o Antenor Martins de Paula, mas que minha mãe já acha ser um outro, conhecido como Aguiar, procurou meu pai, Octávio Gião, encomendando um quadro tendo o Amigo, como tema. Meu pai pintou a tela, baseado em uma foto, que eu acho ser a que foi reproduzida no jornal. |
O quadro devia ter, aproximadamente, um metro de comprimento por oitenta de largura e era colorido, retratando a cor do cachorro: cinza esverdeado, manchado de branco. Esse quadro ficou exposto, segundo lembranças da minha mãe, em vários lugares. Inclusive, quando a sede do Banco do Brasil mudou para o prédio novo, no local antigo, onde hoje funciona o escritório da Telesp, foi realizada uma exposição em que ele foi exposto. Provavelmente, quem emoldurou o quadro foi o Manoel Assumpção Ribeiro, que era muito ligado ao meu pai. Depois, revi pela última vez esse quadro, no escritório que o senhor Anterior mantinha ao lado do edifício do Bradesco na praça da Matriz, atualmente local de um estacionamento. |
Esse cachorro representou muita coisa em São João, tanto que até hoje não foi esquecido pelo povo. Por volta de 1959, meus avós maternos moravam em São Paulo, no Bairro do Ipiranga. Um dia, fui com um primo buscar um sapato que tinha ido para o conserto. Qual foi o meu espanto, quando o sapateiro ao saber que eu era de São João, perguntou se existia, mesmo, na cidade, um cachorro famoso que acompanhava os enterros. Criança, orgulhoso eu respondi que sim, porque o Amigo estava levando a fama da cidade para a capital. Heleninha, viúva de Ion Pirajá, recordou um fato ocorrido, um pouco antes do falecimento da avó de seu marido, dona Lucina Raposo de Vasconcellos, que residia no casarão da praça da Matriz: “Quando dona Lucina faleceu, eu morava em Araçatuba e não compareci ao enterro, porque estava em meio a uma gravidez que requeria cuidados. Contudo, quando cheguei, ouvi minha sogra, dona Chiquinha Pirajá, contar uma história sobre o Amigo que ocorreu um pouco antes de sua mãe ficar gravemente enferma. Dona Lucina estava fazendo linguiça, em uma cozinha, localizada na parte baixa da casa e que tinha uma grade de proteção que dava para um dos corredores laterais. Quando ouviu um barulho e viu o Amigo, de pé junto à grade, olhando para ela. |
Como conhecia a fama do cachorro, dona Lucina exclamou: “Vai embora Amigo! Ainda não chegou a minha hora.” Pouco tempo depois, adoeceu gravemente e segundo o testemunho de muitas netas e parentes o Amigo esteve presente ao enterro. M.G.M, uma senhora de quase oitenta anos, que prefere ficar no anonimato, residente no Bairro do São Lázaro, assinante do jornal, relata também um fato interessante: “Nós morávamos na rua Monsenhor Vinheta e o meu vizinho faleceu às 7 horas da noite. Daí, o seu enteado, acompanhado do cunhado, foram na Funerária Balestrin encomendar o caixão. Na volta, o Amigo veio «companhando o carro deles e ficou aguardando a funerária chegar e só saiu da casa para acompanhar o enterro.” Por Ana Eugênia Z.B.R Biazzo Jornal “O Município” - 09 /10/93 |