outras mulheres

(marly evangeline)

 

                                                   MARLY EVANGELINE ESTEVES CAMARGO

 

 

 

                                                    “Marly, o gênio que a música perdeu”

 

 

Revista Crepúsculo – Dezembro de 1957

 

 

“Desaparecendo aos 11 anos de idade, deixou entristecida uma cidade inteira que via nela uma segunda Guiomar Movais — Marly compôs 20 músicas — Um recital no Teatro Municipal de São Paulo que não foi e nunca será realizado — Quando a terra caiu sobre o corpo de Marly, a cidade emudeceu — Com 2 anos e 3 meses já tocou "Carnaval em Veneza" — Um piano em silêncio.

 

Aos 6 anos, Mozart compôs "A Marcha Turca". A nossa Marly, aos 4 anos, compôs  "Caixinha de Música".

 

Eunice tocava no piano ''Carnaval em Veneza". Uma criança e sua ama escutavam caladas. Ao terminar a execução, Eunice saiu sem se despedir de Da. Benedita. A criança sentou-se ao piano e estava tocando a mesma música, quando a mestra gritou:

—“Está  errado,  Eunice”!  (pensando tratar-se de  sua aluna)

A ama respondeu-lhe —:

—“Não é a Eunice, Da. Ditinha. É a Marly!!!..."

Ante a professora e mãe, a criança executou de novo a música e sem erros.

Um gênio acabava de mostrar o seu poderio!

Tinha 2 anos e 3 meses!

         Marly Evangeline Esteves Camargo, filha de dona Benedita Camargo e Antônio Oliveira Camargo, nasceu em São João da Boa Vista, em 17 de novembro de 1937. Com a cena que acima transcreve­mos, Marly revelou toda a sua precocidade grandiosa e espantosa. Deixou a idéia do que seria dentro da música no futuro. Somente aos 4 anos é que sua mãe passou a ministrar-lhe as aulas. Mas de fato era um gênio, pois aos 3 anos já era conhecida na região, participando de serões em Clubes da circunvizinhança. E sem instruções de ninguém. Sem orientação em nada. Tocava a piano, instintivamente, como se as

musicas e as teclas já lhe fossem velhas conhecidas. E com 3 anos!

         Dos 4 aos 8 anos, estudou com sua mãe, que não lhe podia exigir muito, devido à pouca idade. Mas nem era preciso exigir.       

         Marly tinha a música dentro de si.

         A Professora Dinorah de Carvalho ouviu o gênio. Impressionou-se! Quis ajudá-la. Ao completar  o 8º aniversário natalício, tinha outra mestra. Dona Dinorah vinha a São João e Marly ia a São Paulo e a precocidade musical ia se aperfeiçoando. Na capital, apresentou-se em vários Clubes, sempre com destaque e admiração geral. Em São João da Boa Vista, não havia festa lítero-musical que o nome de Marly ficasse de fora. Nos recitais beneficentes, era a primeira a chegar, alegre, feliz. E pequerrucha, ainda, tinha sua platéia, seus ad­miradores.

         O dia de sua consagração estava próximo. Fora acertada uma apresentação da menina precoce no Teatro Municipal de São Paulo. Os sanjoanenses ficaram radiantes com a notícia. Seria um orgulho para nós. Já estava tudo preparado. Mas o destino, ah! o destino implacável — esse que dirige a vida humana, resolveu o contrário. E no dia 13 de fevereiro de 1.949, num caixãozinho branco, estava inerte o corpo de Marly. Seus dedos, que empolgaram a platéia paulistana, estavam enregelados. E o anunciado recital nunca mais será realizado. O casarão da Praça Ramos ficará sempre à espera do gênio, que já se foi. O vestidinho que Marly usaria naquela noite que lhe seria inesquecível, até hoje está guardado como relíquia de seus pais. Ninguém lhe toca.

         Uma moléstia do coração acabou com a vida de Marly. A música perdeu uma das maiores esperanças que haviam surgido no cenário mundial.

 

         "A CIDADE EMUDECEU COM A MORTE DO GÊNIO".

 

         Marly compôs 20 músicas, todas entre 4 e 8 anos de idade. Em  todas  as suas  composições, existe um  ritmo  que cresce, um estilo nascente e uma esperança de se firmar como compositora, muito breve. Mozart foi o único músico que compôs, aos 8 anos de idade, executando a "Marcha Turca". Marly começou aos 4, o que nos faz pensar na promessa risonha que a morte ceifou, ainda em tenra idade.

         Sua precocidade genial, aliada à sua idade, é demonstrada nos nomes que deu às suas músicas, mas Seu talento é vivo, latente, em suas composições.

         Em qualquer país, onde nasce uma revelação como Marly, o Departamento de Música a torna conhecida no mundo inteiro. Suas composições são motivos de controvérsias, discussões.  No Brasil, infelizmente, não há propaganda do que é bom, não há amparo ao artista de valor.      

         Pelo que se viu de sua vida, conclui-se: MARLY ERA UM GÊNIO!     

         Guiomar Novais, outro orgulho para São João da Boa Vista, ouviu Marly, ficou comovida e disse: Já é uma artista! Em breve será uma grande compositora da música de nossa pátria! Quando Marly adormeceu, Guiomar Novais mandou um telegrama à família: "Lamentando profundamente morte querida Marly trago desolados pais expressão sincera. grande pesar tão grande perda".

         O sepultamento de Marly foi acompanhado por enorme multidão entristecida. Quando a terra caiu sobre o corpo de Marly, a cidade emudeceu e o pranto jorrava das faces de todos os sanjoanenses. O seu piano ficou em silêncio e ainda hoje, nos seus horários de estudos (das 8 às 9.30 horas e das 10 às 11.00 horas) não é ocupado por ninguém, sua mãe não aceita alunos neste horário. As teclas ficam paradas à espera do gênio que se foi.

         No cemitério, Oliveira Neto disse: "Marly, graciosa, pe­quenina e genial pianista: trazemos o nosso Adeus para você na certeza de que se alguém já tinha alguma coisa de angelical na terra, podendo transformar-se imediatamente em anjo no céu — nenhuma outra conhecemos que merecesse tão claramente essa sublime espiritualização..."

         Maria Leonor clamava à beira do Jazigo: "Viemos dizer-te adeus! Viemos despedir-nos dessa luz radiosa que morte apagou! Viemos prestar-te a homenagem dolorosa cheia de pranto e desconforto, pois com teu pequeno corpo que a terra vai receber, vão as mãos maravilhosas que sabiam criar harmonia, vai o cérebro fecundo que já sabia compô-las. Adeus, Marly Evangeline".

         A Prefeitura Municipal doou-lhe a sepultura perpétua e foi decretado feriado naquele dia. A cidade ficou à espera da ressurreição do gênio. Mas a morte é o ponto final...“

Dezembro de 1957

 

 

 

 

 

 

Foto Gianelli

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