A métrica da solidão - Revista Veja - 1995

(Mario Sabino- Revista Veja-1995)

 

 

 

 

 

 

 

 

Que as mãos não trabalhem
O mundo é tristonho
Que os olhos se fechem
E não haja sonho.


1996 - Em São João da Boa Vista

(...) A dona do murro era uma moça magrinha de nome Orides Fontela, minha vizinha de São João da Boa Vista, na época uma estudante de letras com inclinações para a poesia. Orides reagia como um bicho acuado, um vulcão de sensibilidade que explodia na poesia mas não conseguia canalizar para as relações pessoais. Agredida pela vida, não sabia responder aos gestos de carinho e de atenção. Explodia do mesmo modo que quando era agredida. Do professor, cortou as roseiras. Deve ter feito pior com o David Arrigucci. Fazia escândalos com amigos, explodia com protetores, se perdia e perdia tudo o que tinha e, quando nada mais tinha, ia abrigar o corpo magro no velho prédio da Casa do Estudante. A única luz que provinha dela saía pelos poemas que rabiscava desesperadamente, até se esvair de vez em um sanatório de Campos do Jordão, anos atrás. Seu nome está consagrado nos círculos de poesia, e sua obra, dispersa. A cada dia que passa mais aumenta sua reputação. Para muitos, Orides já faz parte do Olimpo dos maiores poetas do século. Na minha memória, será sempre a moça magrinha que explodia uma agonia que não sabia explicar, uma fúria selvagem, rústica, que servia para encobrir a poeta que não se bastou. (Luis Nassif)


METAFÍSICA

Peixe
pescado
Descobre o ar
Não volta
pra contar
(...)


A obra de Orides Fontela

 

 

 


 

 

Com seus companheiros inseparáveis

"O grande bem que nos deixou é a sua poesia. Não pretendo aqui reforçar os traços da personalidade da Orides Fontela e sua dificuldade em fazer e manter amizades. Orides Fontela deve ser vista como aquela poeta capaz de dizer muito com o mínimo de palavras. Foi um anjo torto, às avessas, sarcástico nos seus comentários, impiedoso, inteligente e selvagem. Capaz de trazer tensão ao ambiente e criticar em voz alta a leitura de outros poetas.(Donizete Galvão)

 


PAISAGEM NATAL

A teoria
azul
dos montes
longe.
II
As montanhas arcaicas, ventre
de um sol perfeito
de uma infinita
Lua
e os ventos de agosto, a
névoa
elidindo montanhas
sóis e
tudo.
III
Esta estrada ...
Névoas
Nenhum murmúrio.
Nada.
Passamos (e o sol
fenece).
Jamais haverá volta.

Na escrita de Orides, há a defesa do despojamento, de um cansaço benéfico que restará depois de tentar tudo com a literatura. "A vida é que nos tem, nada mais temos". Oito anos depois de sua morte a Editora CosacNaif reeditou sua obra num livro chamado Poesia Reunida. Assim, é possível interpretá-la de modo justo, reintegrar o prestígio ao texto e retirá-lo da personalidade folclórica, passional e complicada financeiramente, de uma artista que foi despejada e comprou briga com amigos famosos que a ajudaram no início da carreira.

 

2 de novembro de 1998 -Orides Fontela morre em Campos do Jordão. Lá foi sepultada

Na lápide, trecho de um de seus poemas: Um anjo é fogo. Consome-se

 

 

 

 

 

 

"Era primavera, quando fui internada num sanatório público em Campos do Jordão. Estava tuberculosa. Tossia muito, sentia fortes dores. Sabia-me depressiva, sozinha, mais abandonada do que nunca. Aos dois de novembro de hum mil novecentos e noventa e oito vim a falecer. Não sabiam quem eu era, a quem avisar, seria enterrada como indigente, aliás, como sempre fui, como sempre me senti. Uma enfermeira, ao juntar minhas poucas coisas, viu o livro "Teia" e meu nome como autora, levou para a administração. Avisaram meu editor, Luis Fernando Emediato, que foi até lá. Fui enterrada no cemitério em Campos do Jordão. Juro-lhes que tenho me comportado melhor do que em vida. Até agora nenhum vizinho reclamou de mim. Não briguei e nem xinguei ninguém. Damo-nos muito bem. Nossa coexistência é pacífica, como nunca me aconteceu em vida. Vivo em paz com minha idiossincrasia, com a sensibilidade de minha alma. A poesia continua a alimentar-me o espírito. Estou bem."

Do Monólogo "O Tempo Pingando dos Olhos" de Maria Célia de Campos Marcondes


7 de novembro de 2007. Nove anos após sua morte, Orides recebe a Comenda da Ordem do Mérito da Cultura

O Ministério da Cultura homenageou no dia 7/11/07, a sanjoanense Orides Fontela com a Ordem do Mérito Cultural, categoria Grã-Cruz. Maria Helena Teixeira de Oliveira, prima da poetisa sanjoanense, foi quem recebeu a congratulação das mãos do Presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva. A cerimônia aconteceu no Palácio das Artes, na cidade de Belo Horizonte.

 

Orides Fontela é patronesse da Cadeira nº 32 da Academia de Letras de São João da Boa Vista, cujo titular é Antonio Carlos Rodrigues Lorette.

 

 

Da vida não se espera resposta
Orides Fontela

 

O3 de setembro de 2016, Orides Fontela retorna à terra natal

orides fontela

(biografia)

"Quem se der ao trabalho de observar aquela mulher de andar trôpego, curvada feito um ponto de interrogação, não raro num solilóquio ininteligível em que ressoam imprecações, pode pensar, ali vai outras dessas figuras bizarras que pululam no centro de São Paulo, movida a álcool, desespero, desesperança. No caso de Orides Fontela, a conclusão é verdadeira apenas em parte. Sua esquisitice esconde um dos nomes mais respeitados da poesia brasileira contemporânea. Antônio Cândido, o papa da crítica literária, concedeu-lhe um prefácio extremamente elogioso ao livro Helianto, de 1973. Foi o prof. David Arrigucci que a descobriu em São João da Boa Vista, no interior de São Paulo. A filósofa Marilena Chauí, ex-secretária da Cultura de São Paulo, classifica-se de brilhante. Mas, com exceção de Marilena, que diz ter uma paciência infinita ninguém que ver Orides pela frente. “sou muito suscetível, briguei com todo mundo”, reconhece a poeta, que odeia ser chamada de poetisa.. Em meio a tantas confusões, Orides ainda acha tempo para produzir. Ela rabisca seus versos num caderno universitário, antes de batuca-los na máquina de escrever. Suas últimas poesias são tristes como as paredes sujas do seu apartamento, onde ainda há traços de uma grafite feito por um americano que veio para o Brasil fugido do serviço militar. Sua melancolia pode ser medida pelas seguintes estrofes de ACALANTO:

Em 1967 Orides Fontela teve dois poemas publicados no Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo. Seu primeiro livro de poesia, Transposição, foi lançado em 1969; seguiram-se Helianto (1973), Alba (1983), Rosácea (1986), Trevo, 1969/1988 (1988) e Teia (1996). Recebeu o prêmio Jabuti de Poesia, em 1983, pelo livro Alba, e o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte, em 1996, pelo livro Teia. Sobre sua obra, de tendências contemporâneas, o crítico Antonio Candido afirmou: "Orides Fontela tem um dos dons essenciais da modernidade: dizer densamente muita coisa por meio de poucas, quase nenhumas palavras, organizadas numa sintaxe que parece fechar a comunicação, mas na verdade multiplica as suas possibilidades. Denso, breve, fulgurante, o seu verso é rico e quase inesgotável, convidando o leitor a voltar diversas vezes, a procurar novas dimensões e várias possibilidades de sentido.".

"Vê-la morrer, assim, deu-me um gosto amargo de impotência e de falta de disponibilidade para estar mais perto dela. Tinha comprado umas roupas de lã, toucas, meias para levar até o hospital, como ela havia pedido, quando recebi o telefonema sobre sua morte. No seu modestíssimo túmulo em Campos de Jordão, colocamos uma placa que é a primeira estrofe de um poema de Teia: Um anjo/é fogo: /consome-se. Na sua curta trajetória, ela conseguiu construir, como poucos do seu tempo, uma obra extremamente original e que, sem dúvida, permanecerá luminosa."(Donizete Galvão)

Foto José Marcondes

    VOLTA      SEGUE

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           No dia 03 de setembro de 2016, aconteceu a cerimônia oficial de inauguração do Memorial Orides Fontela, na Biblioteca da UNIFAE. O evento foi o ponto culminante do projeto “A volta de Orides”, que teve início com um cortejo partindo da Academia de Letras, no Largo da Estação. Depois de passar por alguns pontos marcantes da vida de Orides, como a casa onde nasceu (Rua Oscar Janson, 18), o Theatro Municipal, as Escolas Estaduais Cel. Joaquim José e Cel. Cristiano Osório, a urna com as cinzas da poeta chegou à UNIFAE, onde foi recebida e conduzida por atiradores do Tiro de Guerra até o Memorial.

           O projeto foi uma iniciativa da UNIFAE, em parceria com a Academia de Letras e a Prefeitura de São João da Boa Vista, para homenagear esta poeta que inscreveu seu nome entre os grandes da literatura, e que agora retornou à sua terra natal.

 

 

 

 

Quando pousa
o pássaro

quando acorda
o espelho

 

quando amadurece

a hora.

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