maria sguassábia

(biografia)

Maria dá ordens de prisão a um soldado inimigo

Maria, mal refeita do combate, faz a marcha a pé, com tremendo sacrifício. Mas não se queixou, nem reclamou regalias, nada. Era um soldado como outro qualquer. Ela confessou mais tarde, que só nesse dia sentiu como era duro guerrear. Deviam chegar às imediações da cidade até às 4 horas da madrugada. Assim exigia o plano que Romão Gomes traçou. Para a tomada de Vargem Grande, andou uma noite toda, em caminhões e a pé e somente uma natureza forte como a de Maria, podia agüentar os sofrimentos próprios daquela caminhada, transpondo vales, montes, brejos, a fim de surpreender o inimigo entre vários fogos. Sob as ordens do tenente Meira, foram cortadas as comunicações telefônicas dos inimigos. Capitão Homero ordenou que fosse colocada uma metralhadora em cima de uma residência, onde eles haviam entrado pelos fundos e que ficava bem na praça central. Maria, foi um dos primeiros a atender a ordem de "avançar". Ocuparam a cidade de Vargem Grande, entre saraivada de balas e rajadas de metralhadoras. Ao romper do dia, atacaram também pela retaguarda, de surpresa, as posições inimigas e após duas horas de fogo, dominam as ultimas trincheiras e aprisionaram cerca de centena de soldados e alguns oficiais. Dali seguiram para o Bairro de Pedregulho. A viagem foi feita a pé durante a noite, atravessaram com precaução os obstáculos do terreno. Só pela madrugada chegaram nas imediações do Pedregulho e ficaram preparados, em posição de ataque. Maria, seu irmão Antonio e mais dois soldados, avistaram grupamento que estava acampado atrás da igreja local e decidiram cercá-lo. Aproximou-se de alguns deles que estavam deitados e de arma em punho gritou: Rendam-se! Os soldados mineiros quando ouviram a ordem de rendição vinda dos soldados constitucionalistas, não acreditaram no que estava acontecendo. Nenhum deles esboçou qualquer movimento de reação, nem procuraram suas armas. Limitaram-se a comentar, admirados: "É uma moça".

 

Maria foi promovida a Cabo, após prender um Tenente Ditatorial

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Maria e os oficiais, num almoço em Campinas, 20 anos depois...

Depois de alguns dias de merecido descanso no aconchego familiar, os soldados receberam ordens de partirem imediatamente para São Sebastião da Grama, onde os ditatoriais estavam resistindo ao ataque das forças de São José do Rio Pardo e Divinolândia (Sapecado). Centenas de soldados foram de trem e outra grande quantidade seguiu em caminhões. De Vargem Grande seguiram caminhões e automóveis até as imediações da cidade de São Sebastião da Grama, a nova frente de batalha. Maria, estava sempre na vanguarda, porque fazendo parte do grupo do Sargento Christovam, a qual não podia ser poupada, pois por sua eficácia e coragem, era sempre um dos primeiros e onde havia o maior perigo, ela ali se encontrava. Em poucos minutos, desencadeou-se a pior artilharia que a tropa paulista havia submetido. Metralhadoras vomitavam balas em todas direções e os soldados, surpreendidos, atiraram-se ao chão, protegendo seus corpos nos barrancos entre as pedras, sem poder revidar. Ficaram todos inertes, com os narizes afundados no chão, sem poder movimentar um dedo sequer. O intenso tiroteio só cessou pela manhã. Foi Maria, o primeiro a erguer-se do chão e, numa demonstração de profunda coragem, atravessou o perigoso trecho. Seu exemplo foi seguido de perto por seu irmão Antonio, que durante todo o movimento nunca a abandonara. Nesse combate Maria experimentou, pela primeira vez, o amargor da derrota. O setor estava fortificado pelo inimigo. Em 4 dias, a 4ª Cia. se empenhou em 10 combates intensos, muito dos quais de uma violência incrível. Em todos eles Maria assistiu a morte de companheiros, viu-os sair carregados, em padiolas. Viu homens chorando. Viu companheiro desertar. Viu o diabo. Como sempre, ela lutou desesperadamente e no dia seguinte, com todo merecimento, foi promovida a Sargento. E antes que pudessem tomar São Sebastião da Grama, a 4ª Cia. recebeu ordens para rumar direta e apressadamente para Campinas, pois não havia mais nada a fazer naquele setor. Até a capital São Paulo, estava ameaçada pelo norte.

 

Promovida a Sargento, Maria chora a derrota dos Constitucionalista. É o fim da guerra!

O destino do movimento constitucionalista estava selado. Campinas também devia ser evacuada. Em seguida, Maria recebeu ordens de comandar um pelotão que deveria guarnecer a retaguarda do 1º Batalhão, que, de trem, embarcaria para São Paulo. Assim, a Coluna Romão Gomes foi dispersada em meio à perseguição dos adversários. O 1º Batalhão largava numa extremidade da cidade, na outra entravam as tropas ditatoriais. Estava cumprida a missão de Maria. e a Revolução Constitucionalista, terminada. Chorando de ódio, Maria e Antonio, sem outra alternativa, perambularam pelas ruas convulsionadas da cidade. Pensavam num jeito de voltar a São João. Já não havia mais nada a fazer depois de quase três meses de lutas e sacrifícios. Agora, era evitar que caíssem prisioneiros. Maria pensou ainda em como esconder seu fuzil. Doía-lhe imaginá-lo servindo aos ditatoriais. Juntamente com seu irmão e outros, procuraram refugio, mas a impressão que tinham era de que não havia ficado viva a alma na cidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Na porta de sua casa com uma sobrinha

De Campinas, sem recursos, cansada, juntamente com o seu irmão, Maria Sguassábia, decidiu deviam retornar ao seu lar. Antonio tentou ainda demovê-la da idéia de seguirem para São João. Seriam 150 quilômetros a fazer a pé. Ela insistiu. O jeito era voltar para São João da Boa Vista, como civis. Passaram fome e sede, cortaram campos, brejos e matas, foram picados por formigas, mataram cobras, caminharam, fugindo das estradas cheias de inimigos. Pelo caminho encontraram Tropas do Governo Federal que haviam ficado na retaguarda e com medo de serem reconhecidos, esconderam-se no mato. Marcharam dois dias e duas noites, evitando as estradas. Ao passarem por Aguaí (Cascavel), onde pretendiam conseguir algo para comer e beber, perceberam movimentos de patrulha. Ela soube pelo dono do barzinho da beira da estrada, que sua cabeça estava "à prêmio". O tenente João Batista, o que fora preso por Maria em Pedregulho - montara ali um posto de guarda e garantia um prêmio de dez mil cruzeiros por sua captura! Sabia que residindo em São João e uma vez terminada a Revolução, Maria tentaria voltar para sua casa. Mas o tenente não teve o gosto de lhe por as mãos!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                            Maria Stela Rosa Sguassábia faleceu em 14 de março de 1973, aos 74 anos. Está sepultada no cemitério de São João da Boa Vista, SP.

Foi uma heroína. É a nossa Joana D´Arc.

Enquanto isto, o Tenente que os comandava e estava um pouco retirado, tentou fugir. Maria foi atrás dele e apontou-lhe o fuzil e deu-lhe voz de prisão. Depois de preso, ele se recusou a entregar as armas. Já achava demais o fato de ser preso por uma mulher. Nesta altura, quando o tenente Meira alcançou as primeiras trincheiras de Pedregulho, não acreditou no que via. Quatro bravos soldados seus de armas apontadas para um grupo de inimigos. Todos eles de mãos levantadas, menos um tenente chamado João Batista Silveira da Força Pública de Minas Gerais. Este blasfemava, quase em choro. Quando aproximou-se, verificou que o oficial havia sido preso por Maria, que com os cabelos revoltos e as faces afogueadas, discutia com ele, que não aceitava ser preso por uma mulher. Ela, com seu fuzil apontado para o peito do oficial, não dizia nada.

Ao avistar o tenente Meira, seu comandante, perfilou-se e disse:

-Pronto, meu Tenente, o que é preciso para que este oficial se renda?
O tenente Meira ficou mudo! De espanto com a ousadia de Maria. Avançar sobre a trincheira do inimigo, já era coragem de sobra. Capturar um tenente, e logo quem, o comandante de Pedregulho!...

-Mas isto é um absurdo! – queixava-se o homem. Um oficial ser preso por uma mulher!
A resposta imediata foi mais dirigida ao comandante, que a ela própria. Disse o tenente Meira:
-Não se envergonhe de ser prisioneiro de uma mulher, Tenente, porque indiscutivelmente o senhor está tendo a honra de ser aprisionado pelo mais valente Soldado Paulista.

O oficial comandante, espumando de ódio e sentindo-se humilhado, respondeu:

-Eu estou pronto a me entregar a um homem oficial, porém, a um soldado e ainda mais uma mulher, nunca.

 Então, fazendo-lhe a vontade, o Tenente Meira desarmou-o... e em seguida prendeu-o. Esta façanha valeu a Maria uma promoção a Cabo.

Precisando trabalhar para sobreviver, pois, por exigência do tenente João Batista, foi exonerada do serviço público, Maria conseguiu um trabalho como costureira, ajudante de alfaiate. Mudou-se para um chalezinho modesto, com alpendre na frente e muitas latas de avenca, na Rua Luiz Gama, 244, num antigo bairro da cidade. Certo dia, já convalescente, vários meses depois de terminada a guerra, costurava, na varanda de sua casa, quando, no portão, surge um homem. Magro, barbudo, irreconhecível. Era Primo, tido como morto nos combates de Eleutério. Havia caído prisioneiro.

Felizmente, através de uma amiga de infância, que tinha conhecido junto ao Secretário de Educação da época, Maria obteve a sua reintegração na Educação. Lecionou durante algum tempo e, quando Armando Salles Oliveira era Governador, conseguiu ser nomeada inspetora de alunos  do “Colégio Estadual Cristiano Osório de Oliveira”.

Quando pleiteou a regalia do artigo 30 da Constituição Estadual, que concedia aumento de salário aos funcionários combatentes de 32, teve de provar, exaustivamente, sua participação na luta. Ninguém queria acreditar que “uma mulher tivesse, de fato, combatido nas trincheiras”. Escreveu para o tenente Mário Meira, pedindo um documento que provasse que estivera lutando na revolução e este escreveu um relatório pormenorizado de sua atuação como soldado revolucionário, como podemos ler na página a seguir.

 

 

 

ORAÇÃO ANTE A ÚLTIMA TRINCHEIRA

Guilherme de Almeida

 

 

Agora, é o silêncio.

 

É o silêncio que faz a última chamada:

- Martins! Miragaia! Dráuzio! Camargo! Paulo Virgínio!

 

E é o silêncio que responde:

- Presente!

 

Depois, será a grande asa  tutelar de São Paulo

- Asa que é dia e noite e sangue e estrela e mapa – descendo, petrificada, sobre um sono que é vigília.

E aqui ficareis, Heróis – Mártires, plantados, firmes, para sempre neste santificado torrão de chão paulista.

Para receber-vos, feriu-se ele da máxima de entre as únicas feridas, na terra, que nunca se cicatrizam.

Porque delas uma imensa coisa emerge e impõe-se, que as eterniza.

Só para o alicerce, a lavra, a sepultura e a trincheira se tem o direito de ferir a terra.

 

E, mais legítima que a ferida do alicerce, que se eterniza na casa, a dar teto para o amor, a família, a honra, a paz;

 

Mais legítima que ferida que da lavra, que se eterniza na arvore, a dar lenho para o leito, a mesa, o cabo da enxada, a coronha do fuzil;

 

Mais legítima que a ferida da sepultura, que se eterniza no mármore, a dar imagem para a saudade, o consolo, a bênção, a inspiração;

 

Mais legítima que essas feridas é a ferida da trincheira, que se eterniza na Pátria, a dar toda a pura razão-de-ser da casa, da árvore e do mármore.

Este cavalo trapo de terra – corpo místico de São Paulo, em que ora existis, consubstanciados, mais que corte de alicerce, sulco de lavra, cova de sepultura é rasgão de trincheira.

E esta, perene, que provais é a nossa última trincheira.

 

 

Esta é a trincheira que não se rendeu:

A que deu à terra o seu suor,

A que deu à terra a sua lágrima,

A que deu à terra o seu sangue!

 

Esta é a trincheira que não se rendeu:

A que é a nossa bandeira gravada no chão

Pelo branco do nosso ideal

Pelo negro de seu luto,

Pelo vermelho do nosso coração!

 

Esta é a trincheira que não se rendeu:

A que, atenta, nos vigia;

A que, invicta, nos defende;

A que, eterna, nos glorifica!

 

 

    VOLTA      SEGUE

Esta é a trincheira que não se rendeu:

A que não transigiu,

A que não esqueceu,

A que não perdoou!

 

Esta é a trincheira que não se rendeu:

A que vossa presença, que é relíquia,

Transfigura  a consagra num altar

Para o vôo até Deus da nossa fé!

E, pois, ante este altar, alma de joelhos,

 

A voz rogamos:

Soldados Santos de 32,

Sem armas em vossos ombros, velai por nós!;

Sem balas na cartucheira, velai por nós!;

Sem pão em vosso bornal, velai por nós!;

Sem água em vosso cantil, velai por nós!;

Sem galões de ouro no braço, velai por nós!;

Maria, Mulher Soldado, vídeo sobre a heroína Maria Sguassábia

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