maria sguassábia (histórico) |
Histórico Escrito pelo Tenente Mário Meira em 1935
D. Maria Stella Sguassábia A 4ª Cia. B. Araújo, do 1º B.P.M.Civil, achava-se em meados de julho de 1932, nas fronteiras paulista, estendidas em uma frente de cerca de dois quilômetros, guardando as estradas "Andradas -S. João da Boa Vista"e "Jardim -São João da Boa Vista". O P.C. da Cia. Estava localizado perto da Fazenda Paulicéa, onde se encontrava um grupo de combate, debaixo do comando do sargento Christovan Resende, mais tarde promovido a tenente por atos de bravura. Encostada ás nossas divisas, erguia-se uma modesta casa, onde a Câmara Sanjoanense mantinha uma escola, dirigida pela professora Maria Stella Sguassábia, que ali residia, em companhia de sua filhinha e um irmão moço, que ao Toque de Reunir, alistou-se como voluntário da 4ª. Cia. Seguindo o irmão, D. Maria, preparava para ele e os soldados de seu grupo, o alimento necessário, tornando-se então a cozinheira de todos eles. Insistentemente, D. Maria pedia ao Comando, autorização para ingressar-se como voluntária, afim de, também juntamente, com o seu irmão, defender S. Paulo. Esta autorização, lhe foi negada sempre, tendo em vista o seu sexo. Em fins de julho, porem, tendo o Grupo de qual fazia parte sido atacados pelos ditatoriais, tomou um lugar de um voluntário que havia desertado e valentemente de fuzil em punho, defendeu as suas posições. Desde então, tendo o comando da 4ª. Cia. Visto a sua ação enérgica como defensora de S. Paulo, não hesitou um momento, incorporando-a á Tropa com o nome de Mario Sguassabia. Com a tomada de Jardim e Espírito Santo do Pinhal pelos ditatoriais, teve o Comandante Romão Gomes, ordens de abandonar as suas posições, mandando então recuar toda a sua Tropa, componentes do 1º. B.P.M Civil e algumas Companhias isoladas, de baixo de seu comando, afim de que não fossem envolvidas pelo inimigo. Foram então abandonadas as ótimas posições do "Prata", onde os seus voluntários bateram-se como verdadeiros leões, bem como as de "Mamonal", "Fartura", "Paulicéa" etc. Em trens especiais e caminhões, operou-se a retirada para Casa-Branca, onde tomando o Comando Geral de todo o Sector, compreendido entre Mococa e Cascavel, assumiu o compromisso de retomar as cidades paulistas, caídas em poder das Tropas Inimigas. Tendo estudado um vasto plano de ataque, modificou vários Comandos e tendo em pessoa visitado todo o front, preparou com meticuloso cuidado a formidável ofensiva que em poucos dias havia de trazer ás suas tropas mal armadas e municiadas, o prestigio, o valor e o nome que infundia pavor ao inimigo "Coluna Romão Gomes". Com a queda de Cascavel, foi ordenada á 4ª. Cia. que marchasse ao encontro do inimigo e oferecesse combate, onde quer que ele estivesse. Num trem especial, fomos até "Miragaia" onde encontramos cercado de 80 soldados paulistas, que haviam sido obrigados a abandonar Cascavel depois de terem oposto desesperada resistência ás Tropas Contrarias, tendo tido alguns mortos e feridos e mais de uma dezena de prisioneiros. O Cap. Homero da Silveira, procurou então, levantar o moral daqueles homens e ordenando a elementos da 4ª. Cia. Que explorassem todo o terreno alguns quilômetros em diversas direções, resolveu retroceder para a Vila da Lagoa, isto já cerca de 11 horas da noite, onde mandou imediatamente cavar trincheiras e preparar todas as defesas para uma desesperadas resistência. As ultimas trincheiras não estavam totalmente abertas quando a vanguarda inimiga, ás duas horas da tarde do dia seguinte fazia os primeiros disparos e era recebida condignamente pelas nossas Tropas, já nessa hora reforçada com elementos de outras Cias., postadas no nosso flanco esquerdo, defendendo as nossas posições de um possível ataque partido de Vargem Grande, já também em poder dos invasores. Atacados em Lagoa por cerca de 1200 homens, a nossa Tropa bateu-se valentemente e depois de 26 horas de combate conseguiu desbaratar o inimigo tendo para isso, contribuído fortemente o Destacamento da 4ª. Cia. Que atacou pela retaguarda e o Trem Blindado, que apanhou grande parte das Tropas atacantes em dois fogos, fazendo-lhes grande mortandade. D. Maria Stella Sguassábia, bateu-se durante toda a luta como verdadeira espartana e com os seus companheiros de trincheiras, recebeu diretamente o ataque das Tropas Contrarias, sem um desfalecimento, e sem alimentação e mesmo água para beber, manteve-se calma, sem soltar uma queixa, tornando-se alvo da admiração e estima de todos os companheiros. Novas ordens dadas. Temos que varrer de toda aquela zona, o inimigo e enquanto parte de nossas Tropas atacam e ocupam Cascavel, a 4ª. Cia. E outras forças num movimento temerário e feliz, envolvem cidade de Vargem Grande, depois de uma longa caminhada a pé pela noite adentro e ao romper do dia, atacam pela retaguarda, de surpresa, as posições inimigas e após duas horas de fogo, dominam as ultimas trincheiras e aprisionam cerca de centena de soldados e alguns oficiais. São apreendidas então, mais de 100 fuzis novos, varias armas automáticas e algumas dezenas de milhares de projeteis. Para a tomada de Vargem Grande, andou-se uma noite toda, em caminhões e a pé e somente uma natureza forte como a sua, podia aguentar os sofrimentos próprios daquela caminhada, transpondo vales, montes, brejos, a fim de surpreender o inimigo entre vários fogos. Após dois dias o Comandante Romão Gomes ordena o ataque simultâneo de "Pedregulho" e "Grama". O Cap. Homero da Silveira, com uma centena de homens, transpondo uma serie de obstáculos e caminhando dezenas de quilômetros, corta a estrada Poços de Caldas - Grama, fazendo ótimas presas de Guerra, enquanto a 4ª. Cia. A Tropa do Cap. Ruys, atacam "Pedregulho". Coube, sem duvida nenhuma, á 4ª. Cia. A parte difícil da empresa: - Entrar pela retaguarda do inimigo, separando-o de S. João da Boa Vista, onde tinham o seu Q.G. com o grosso das suas tropas, cortando todas as vias de comunicação e também a sua retirada. Ás 6 horas da manhã, inicia-se o ataque a Pedregulho, ocupado por uma Cia. mista do 5º B. da F.P Mineira do 7º B.P de Minas Gerais. Depois de algumas horas de fogo, tendo nós, garantido a nossa retirada com um pelotão e uma M.P. demos a ordem de "Avançar", entre o crepitar das M.P. dos seus Z.B. e varias armas automáticas. Palmo a palmo fomos conquistando o terreno e entrando em contato direto com o inimigo, dentro já das suas trincheiras, deparamos com orgulho e admiração, quatro voluntários sanjoanenses, nossos valentes soldados já desarmando os primeiros inimigos. Entre os quatro bravos, D.Maria Sguassábia, os cabelos revoltos as faces afogueadas, discutia com o Tenente X, Comandante de Pedregulho, que não queria ser preso por uma mulher. Ao ver me, perfila-se e diz: "Pronto, meu Tenente, o que é preciso para que este oficial se renda?". A minha resposta imediata foi mais dirigida ao Comte de Pedregulho, que ela própria. "Não se envergonhe de ser prisioneiro de uma mulher, Tenente, porque indiscutivelmente o Sr. está tendo a honra de ser aprisionado pelo mais valente Soldado Paulista". "Eu estou pronto a me entregar a um homem oficial, porém a um soldado e ainda mais uma mulher, nunca". Fiz-lhe a vontade, desarmando-o então... Cinco armas automáticas, foram apreendidas, constando de duas M.P, duas X.B e uma F.M, juntamente com cerca de 140 fuzis, e dezenas de milhares de cartuchos, bem como 92 prisioneiros entre eles dois oficiais. No dia seguinte ocupamos S. João da Boa Vista. Estando a cidade de Vargem Grande, ameaçada de perto pelas Tropas de Grama, não foi possível dar o descanso de um dia sequer aos voluntários componentes da 4ª. Cia. Mal teve tempo D. Maria Sguassábia de abraçar seu velho pai e beijar sua filhinha e já de novo partia com os seus companheiros para a defesa de Vargem Grande. Naquela localidade, dias antes em poder do inimigo e naquele momento, ocupada pelas Tropas valorosas mas mui reduzidas em numero do Cap. Ruys, para a sua defesa, mostrava-se a população alarmada com as consequentes avançadas do inimigo, reforçados com Tropas frescas e regulares da F.P.M. Com a chegada, porem á noitinha da 4ª. Cia. com um efetivo então cerca de 200 homens, o povo vargengrandense, cobrou calma e nesta mesma noite, ordenamos o avanço, de toda a Cia. Para a zona onde os ditatoriais haviam desalojados pequenas Tropas do Cap. Ruys. Ás 11 horas da noite, havíamos caminhando quase 11 quilômetros pela manhã ocupamos a Fazenda do Sr. João Costa, onde estabelecemos o nosso P.C. Estivemos ali cerca de 20 dias e em cumprimento das ordens emanadas do Comte Romão Gomes, construímos várias trincheiras e com o nosso efetivo ocupamos uma frente de mais de três quilômetros. Dispúnhamos então de 2 M.P., 2 Z.B. e 2 F.M., todas estas armas tomadas ao inimigo em combates anteriores, bem como os nossos fuzis que eram de primeira qualidade. Com as ordens dadas para que procurássemos o inimigo, onde quer que ele estivesse, resolvemos avançar depois de explorado o terreno e á meia noite em ponto ocupamos fortes posições, distante cerca de 500 metros da trincheiras inimigas, de onde iniciamos fogo contra as suas posições, tendo-se combatido até pela manhã. Com ordens formais para que recuássemos, assim o fizemos e depois de uma noite de verdadeiro destemor pela vida, voltamos ás nossas antigas posições. D. Maria Sguassábia, estava sempre na vanguarda, porque fazendo parte do grupo do Sargento Christovam, o qual não podia ser poupado, pela sua eficácia e coragem, era sempre dos primeiros e onde havia o maior perigo, ela ali se encontrava. Tivemos nestes poucos dias em redor da Grama nada menos de 10 combates, muito dos quais de uma violência incrível, como no de um sábado em que as nossas Tropas foram envolvidas pelo seu Flanco direito, por um batalhão dos contrários. Conseguimos, porem, romper o cerco e embora tivéssemos tido muitos feridos e mais de duas dezenas de desaparecidos, poucas horas mais tarde, ainda oferecemos resistência seria ao inimigo, que tendo avançado, chegou ás nossas posições, sem pressentir o grande perigo que sobre eles pairava, pois conhecíamos muito bem as nossas posições consideradas quase inexpugnáveis. Cumprindo porém as ordens, para que nunca deixássemos de parlamentar com Tropas inimigas, para ver se conseguimos a sua adesão, o fizemos com alguns oficiais das Tropas Contrarias, que se achavam em terreno quase raso, a distancia não superior a 100 metros das nossas posições. Depois de uma palestra com eles e de algumas esperanças que nos deram, conseguimos colher informações precisas daquela Tropa, chegada de pouco de Uberaba, muito bem armada e municiada. Felizmente para nós, colhemos informações seguras por um amigo que se achava entre os ditatoriais, comandando uma das Cias.., que no cerco da manhã não haviam aprisionado nenhum dos nossos e que a única cousa que tinham em seu poder era um caminhão danificado e um saco de grandes de mão. Com a chegada de muitos caminhões carregados de soldados para reforço daquela Tropa já tão numerosa, que se achava na nossa frente, uma das nossas M.P. achou melhor começar o combate, mesmo sem ordens, e foi assim que a 4ª. Cia. Com o seu efetivo reduzido pela metade, enfrentou com a sua coragem de sempre o inimigo numerosíssimo e combatendo a 100 metros na proporção de 1 para 10 homens, sustentou 9 horas de fogo, tendo-se combatido até a 1 hora da madrugada. D. Maria Sguassábia, como sempre, com o seu mano e entre os outros companheiros, lutou desesperadamente e no outro dia, teve mui merecidamente a sua promoção a Sargento, tendo sido promovido também a Tenente, o Sargento Christovam, promoções estas, recebidas com grande entusiasmo pela 4ª. Cia. Outras ocupações e outros combates tiveram as nossas Tropas e no dia da grande ofensiva sobre a Grama, cuidadosamente preparada pelo grande Comandante Romão Gomes, depois de estarmos com o flanco direito protegido por forças do bravo Tenente Alberto Aguiar, que ocuparam o morro dos fumeiros, e quando á noite, penosamente escalávamos varias serras e chegávamos quase dentro da Grama, a ponto de atirarmos sobre as lâmpadas elétricas de seus postes de iluminação, vem pela manhã, ao romper do sol, a dolorosa ordem de retirada para Vargem Grande. Acostumados a obedecer, embora a contragosto o fizemos e depois de algumas horas chegávamos aquela cidade, onde as ordens eram terminantes para seguirmos para Casa Branca. Em caminhões, para lá nos dirigimos e somente naquela cidade soubemos que devíamos, seguir imediatamente para Campinas, ameaçada de perto pelos ditatoriais. Chamando-nos de parte, o Comandante Romão Gomes, deu a seguinte ordem: "Meira, sei que os seus homens estão cansadíssimos, porem é á 4ª. Cia. que entrego a árdua tarefa de proteger a retirada de toda a minha Coluna. Para isso requisite os nossos melhores caminhões e somente depois de toda a minha Tropa haver passado por Casa Branca, V. deverá seguir para Campinas. É muito provável e mesmo quase certo, algum encontro com o inimigo, porem, poupe os seus homens, não oferecendo nunca combate direto ao inimigo". Ordens foram dadas e á 4ª. Cia. Coube sem duvida nenhuma a grande honra de proteger a retirada de toda a Coluna Romão Gomes. D. Maria Sguassábia, parte integrante da 4ª. Cia. e como Sargento que era, comandava um dos grupos do combate do Tenente Christovam, cujo pelotão, foi escalado para guardar as estradas férrea e municipal de São José do Rio Pardo a Casa Branca. Até á noitinha manteve-se no seu posto e aguardando a passagem da cauda da Coluna, constituída por dezena e dezenas de caminhões, da intendência e do Q.C.M., já vazios de soldados, pois que quase toda a Tropa havia partido em especiais. Ás 7 horas da noite, rumava a 4ª. Cia. A cidade de Campinas, viajando em caminhões na retaguarda de toda a Coluna. Daquela cidade, seguido 4ª. Cia. Para a "Fazendinha" onde com o seu efetivo aumentado para mais de 400 praças, foi juntamente, com toda a Coluna, passada em revista, pelo General Klinger, Comte. Romão Gomes e outras altas patentes civis e militares. D. Maria Sguassabia, foi por esta ocasião apresentada ao General Klinger e a todos de sua comitiva. Em sendo apresentada ao Secretario da Justiça, Dr. Waldemar Ferreira, disse-lhe ele estas palavras: "O seu nome, D. Maria Sguassábia e o seu heroísmo, serão imortalizados pela historia de São Paulo e pela Historia Pátria". Dois dias após, estando São Paulo, já entregue aos invasores, ainda se combatia alem das pontes do Atibaia, reconstruída pela nossa eficiente Engenharia e coube ainda, como por uma ironia da sorte, ao 3º Pelotão, a difícil missão de socorrer ao bravo Tenente Fontão, que com os seus soldados, se achavam completamente envolvidos por Tropas Gaúchas. A Sargento Maria Sguassábia, desrespeitando as ordens superiores, marcha com o seu Pelotão e teve grande felicidade de juntamente com os seus companheiros fazerem recuar a Tropa Gaúcha, salvando os seus irmãos das armas de uma carga de baioneta já iniciada. Nova ordem de retirada e novo martírio. Com fome e com sede, depois de árduos combates, a caminhada a pé para Campinas. Ali, a ordem de debandar, porque S.Paulo havia capitulado e a Revolução Constitucionalistas, havia terminado. De Campinas, sem recursos, juntamente com o seu irmão, D. Maria Sguassábia, toma a direção de seu lar. Depois de haver passado fome e sede, cortando campos, brejos e matas, fugindo das estradas cheias de inimigos, caminhou cerca de 250 quilômetros a pé e após vários e intermináveis dias, conseguiu rever a sua cidade, o seu velho pai e a sua filha pequenina. Só então aquela natureza de uma nova Anita Garibaldi, foi vencida, caindo doente e guardando o leito por vários dias. Como Comandante que fomos da 4ª. Cia. do 1º. B.P.M. Civil, temos a dizer que a nossa Tropa sempre teve por D. Maria Stella Sguassábia, a modesta professora, a maior estima, respeito e consideração a par da admiração, que produz o sacrifício aliado á coragem e á bravura!
Mario dos Santos Meira
Ex-1º Tenente, Commandante da 4ª Cia. Do 1º. B.P.M.Civil.
NOTA " O nome verdadeiro de nossa heroína, é STELA ROSA SGUASSABIA, porém como foi batizada pelo nome de MARIA STELA SGUASSABIA, sempre a conhecemos por esse nome. Aqui fica por tanto esta nota, afim de não haver futuramente, qualquer engano, erro ou mesmo mal-entendido, capaz de prejudicar a ação ou antes a participação, na "NOSSA EPOPÉA DE 32", daquela que tanto fez, pelo Bem de São Paulo.
(a) M.S.Meira 9 DE JULHO Enquanto houver injustiça Guilherme de Almeida
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